terça-feira, 20 de novembro de 2007

HORIZONTES RELIGIOSOS.
HAVERÁ DIÁLOGO?
Para uma experiência eclesial de vivência salvífica com outras tradições religiosas

Por: Dr. Nelson Célio de Mesquita Rocha

1. Um mundo plurireligioso
O quadro social em que estamos vivendo se apresenta de forma plural em muitos segmentos, principalmente o religioso.[1] Houve uma mudança de horizonte, surgindo, portanto, novos horizontes em termos de religião.[2] De uma sociedade tradicional onde tudo era determinado, onde havia uma identidade e os valores eram seguidos em todos os aspectos, passa-se rapidamente a uma situação de relatividade e de pluralidade.[3]
O que se denomina hoje de “Pós-modernidade”, entende-se como uma sociedade que segue a sua trajetória prescindindo de uma religião básica, envolvendo-se com tipos de religião que consigam gerar bem-estar e um certo tipo de prosperidade que englobe todos os sentidos para os estados emocional e físico melhores. Há uma desagregação da sociedade, dos costumes, do indivíduo.[4] O indivíduo escolhe o que seguir, sem considerar uma tradição.[5]
A sociedade pós-moderna é pluralista.[6] Há a secularização de vários setores da sociedade, dentre os quais está incluída a religião. Cada setor tem a sua relacionalidade própria. Assim, a religião não dá mais as coordenadas, porque passou a ser algo privado. Cada religião tem o seu “produto”, que é oferecido a todos, gerando uma concorrência. Qual é a melhor? A que oferece o seu produto de maneira mais eficaz? Isso atinge o indivíduo, formando-o de um pouco de tudo. [7]
Numa sociedade pluralista quem dá as coordenadas é o fator econômico; que tem a hegemonia. A pessoa passa a ser vista não pelo o que é, mas pelo que produz e também pelo que consome. Existe o efeito desestruturador, produzido pelo fator econômico. O sentido não está embutido na sociedade, mas naquilo que o indivíduo produz. Se aceita tudo, qualquer ideologia. Cada um segue a sua própria ideologia.[8]
Dentro deste quadro, onde prevalecem horizontes em termos de religiões, o que fazer? Qual a postura de engajamento da Igreja? Como ela tem a sua participação no meio dessa pluralidade religiosa, onde existe um desenvolvimento do individualismo e onde a salvação está à venda?

2. A salvação como um produto à venda?
O ser humano segundo a antropologia cristã foi criado para a salvação. Mas é preciso entender o que significa “salvação”. As religiões da sociedade pluralista falam de salvação ou de salvações? O que significa a salvação para os cristãos e para os adeptos de outras tradições religiosas? [9]
Há na sociedade hodierna o atrativo pelas religiões orientais e a persistência dos cultos afros no Brasil, apesar de tudo o que foi feito para destruí-los, devendo haver uma postura de um entendimento que propõe uma incidência salvífica.[10] Diante da insistência, como relacionar a confissão cristã de salvação em Jesus Cristo com outras tradições religiosas?
A experiências salvíficas em termos de religiões são diversas. Por exemplo: o hinduísmo, termo coletivo para crenças plurais na Índia, parte do mal e do sofrimento para apresentar sua ação salvífica. É preciso desenvolver o karma bom e chegar e chegar a suprimir os desejos e apegos, através de ascese, meditação, atos de culto, ajuda aos outros e conhecimento adequado. Já o budismo não implica a idéia de Deus, de alma imortal, de condenação ou de salvação eternas; também prescinde de atos de culto. O importante é a meditação para se encontrar o caminho da libertação definitiva do ciclo das existências dolorosas, que se dá pela cessação dos desejos no nirvana, estado que se conhece por experiência. Quanto no islamismo, os seus adeptos têm de viver reconhecendo e deixando-se guiar pelo único Deus, prescindindo de um mediador salvífico.[11] Na religião africana se apresenta o mundo invisível numa unidade, no qual o elemento forte é a “foca vital” e o objetivo salvífico a vida em toda a sua amplitude. Desenvolve-se a fertilidade, a solidariedade clânica e o respeito à natureza.[12]
O cristianismo ensina que Jesus Cristo é o mediador da criação e da salvação. A Cristologia como mediação original: Jesus Cristo é o mediador da obra da Criação, segundo o Novo Testamento: Col 1.16ss; Ef 1.3ss; 2.10; Hb 1.2; Jo 1.3. A dinâmica da Criação é o lugar da Cristologia. Cristo, a face humana de Deus; a imagem perfeita de Deus. Deus interroga, interpela e convoca o homem ao mesmo processo dinâmico, dentro da própria Criação. Jesus é o mediador da experiência da salvação de Deus.[13] Ele é o objeto da experiência da salvação e a medição histórica ou o símbolo sacramental dessa experiência.[14] Mesmo que esta proposição cause alguns questionamentos, é preciso entender que Jesus Cristo é Deus em carne e osso, atuando na história humana, não como símbolo, mas como Deus mesmo. Ele nos ensinou quem é Deus e como nos relacionar com Ele.
Roger Haigth propõe um método para se interpretar Jesus como Salvador hoje.[15] O método tem como base os seguintes pressupostos: uma análise histórica dos textos e práxis do passado devendo haver uma correlação no sentido da questão religiosa hoje, com uma postura dialogal. Portanto, três momentos: 1) Crítica histórica do passado dos textos; 2) A grandeza fenomenológica da experiência; 3) Uma visão ampliada do texto. Considera também para uma interpretação da história da soteriologia, os autores clássicos e os dois representantes da Reforma do Séc. XVI. Tudo isso para se verificar que a salvação é inseparável da criação, matéria tratada nos clássicos e nos reformadores. A salvação não pode ser entendida hoje como merecimento de uma promessa para o futuro ou como uma exclusividade de uma realidade futura. Ela pode ser experimentada agora, de forma concreta, histórica, sendo que a existência salvífica está dentro de uma cultura que tem de estar ciente do pluralismo e de falsas promessas.[16]
Jesus Cristo é o sentido último da história, a revelação definitiva de Deus e salvador único e universal.[17] Os cristãos confessam Jesus Cristo como Senhor e Salvador. Ele é o único Salvador. Deus se fez conhecido na humanidade de seu Filho. Assim a mensagem evangélica é endereçada a toda a humanidade. Esta é a perspectiva bíblica: a escolha de Deus, Jesus de Nazaré, vindo ao mundo no tempo determinado.[18] A fé cristã afirma ser Jesus Cristo não apenas mediação manifestativa, mas, sobretudo constitutiva da salvação. Ele é o salvador único e universal.[19]
A salvação é de Deus e tem por fim alcançar o ser humano em toda a sua dimensão. Acontece o encontro do humano com Deus, através de Cristo. É dom de Deus que não se apresenta como um produto entre os demais na sociedade pluralista.

3. A busca por um novo paradigma [20]
Autores que tratam do pluralismo das religiões, no entender de Amaladoss, estão acostumados a classificar os teólogos em exclusivistas, inclusivistas e pluralistas.
A) Exclusivistas – São os que confessam a Jesus Cristo como o único salvador, e a Igreja é o único caminho que proclama essa salvação. As outras religiões são frutos da reflexão humana, mas não são mediações para a salvação.
B) Inclusivistas – Aceitam que há a graça e a revelação de Deus em outras religiões. As religiões têm uma medição de Salvação, mas somente essa mediação tem que ser em Jesus Cristo. Existe o “Cristão Anônimo”.[21] Esse tipo de cristão se dirige apenas por uma caminho proclamado pela Igreja. Assim, Jesus Cristo é o centro da história da salvação.
C) Pluralistas – Afirmam que todas as religiões são caminhos de salvação. Como Cristo é um caminho de salvação, da mesma forma Buda é o salvador dos budistas. Krishna é o salvador dos hindus, e, assim sucessivamente. O teocentrismo se opõe ao cristianismo nessa visão.
M. Amaladoss descobriu que esses três paradigmas são insatisfatórios.[22] O Exclusivismo nega as outras religiões; o inclusivismo aceita a possibilidade de salvação em outros povos fora da Igreja, mas que têm de passar por Jesus Cristo; o pluralismo afirma que há vários caminhos de salvação.
A posição inclusivista tenta manter uma comunhão com outras tradições religiosas, mas o eclesiocentrismo é um problema. Afirma que o “Cristão Anônimo” não professa a sua fé na Igreja ou a fé em Jesus Cristo. Estão fora do ambiente da Igreja e têm elementos cristãos em sua consciência. As outras religiões são, respectivamente, colocadas na relação linear com o Cristianismo. Esta é a priori a solução do problema.
Quanto à posição pluralista, Jesus Cristo é apenas um entre os outros salvadores. Para esses pluralistas, Jesus é o “Mito do Deus encarnado”, sendo esta a posição de J. Hick, teólogo pluralista americano.[23]

3.1. Uma estrutura metodológica
É preciso levar em consideração o contexto da discussão que é a comunidade de pessoas vivendo e trabalhando juntas, compartilhando a comunhão. Um contexto de cultura e vida sócio-política estruturada, mas pertencendo a várias religiões diferentes. É de grande importância estabelecer o diálogo, no sentido de se desenvolver uma força política, no sentido de se promover a liberdade e a luta pelos direitos humanos, que é um dever de todos os membros da raça humana.
Nesse diálogo as pessoas podem se aproximar umas das outras e ouvir suas crenças, que podem promover edificação. Esse horizonte dessa busca para um entendimento se traduz por uma questão de perspectiva de fé. Nesse horizonte, a fé cristã pode ouvir outros “povos de fé”. Não se trata de uma busca abstrata e nem racional-científica, no sentido de uma unificação de todas as religiões, mas apenas poder dialogar e ouvir o que os outros têm a dizer. Se o cristianismo é uma religião que tem uma pretensão de dar uma palavra sobre a realidade, confessando que Deus é o criador de toda a realidade, como pode não se importar com a mesma?

3.2. Elementos de um Novo Paradigma [24]

3.2.1. Relação e estrutura
A religião é basicamente a salvação da relação entre Deus e o ser humano. No contexto humano de vida em comunidade, Deus chama e a pessoa responde. Assim, consciência e liberdade têm o ponto essencial nesse processo. Deus para nós é Pai, Filho e Espírito. Contudo, esta pluralidade em Deus deve ser entendida como a pluralidade pessoal de relações com Deus.
A salvação da relação entre Deus e o ser humano é vivida no contexto da cultura e da história. Não é uma experiência de abstração, mas se pode viver de tal forma que o que o que se expressa em palavras, se vive na prática. Isso é o amor em sua expressão concreta. Essa relação pessoal é uma forma de se voltar para o Absoluto. O absoluto e o relativo são dois pólos de uma relação, assim como o espírito e o corpo. Esse absoluto é Deus e o relativo é o ser humano. Muitas pessoas lêem a Bíblia e podem reconhecer Jesus como um grande homem que ensinou e deu o exemplo universal de relação com Deus e com as pessoas. Mas os cristãos em sua fé confessam a Jesus como a Palavra Encarnada.
O ponto estrutural dessa relação não é uma comparação entre as diversas religiões, mas a construção de um diálogo entre as diversas crenças.

3.2.2. É Deus quem salva
É muito importante saber que Deus é quem salva, e não as religiões. As religiões são mediações que não substituem a presença do amor salvador de Deus. A fé é quem salva e não a religião.
Uma perspectiva histórica deve produzir uma unificação que tem a sua dimensão realizada pelo Espírito de Deus. Assim, o diálogo deve fazer parte da missão da Igreja no mundo plurireligioso. Deus está sempre presente e ativo na criação e na história. Sua presença é percebida em várias manifestações que são ordenadas para a unidade. Deus manifesta seu ser em vários caminhos para várias pessoas e grupos em sua soberana liberdade. Estas manifestações não são arbitrárias, mas ordenadas para o plano global de Deus para a humanidade. Não se traduz numa religião fechada em seu ser, mas sempre chamada para estar aberta em sua estrutura de acolhimento.[25]

3.2.3. Jesus é o Cristo [26]
Um dos problemas que temos quando falamos de Jesus Cristo no contexto de outras religiões é o reducionismo. O Concílio de Calcedônia definiu que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem e que estes dois aspectos não devem ser entendidos como uma separação. É fundamental saber quem é Cristo para nós. Quem é Cristo para nós? De quem se fala? Da palavra em quem foram criadas todas as coisas ou de Jesus, a palavra encarnada?
Cristo ou Jesus? O divino e o humano estão separados? Jesus é o Cristo, mas o Cristo não é somente Jesus. O Jesus da história é limitado pela sua humanidade, cultura e história. Esta foi a sua escolha. Foi em Jesus que a ação de Deus o Pai, Filho e Espírito se manifestou. Quando falamos da universalidade de Cristo, temos que tomar em conta o alcance cósmico da ação de Deus e não limitar sua ação em sua encarnação em Jesus.
Esta ação universal de Cristo não é localizada num ponto de tempo na história, porque será completa no último dia quando Cristo será tudo em todos. A universalidade de Cristo inclui toda a manifestação de Deus na história.
Nossa perspectiva aqui dependerá de como vemos a história em relação à eternidade. Eternidade e contemporaneidade com o tempo. Quando falamos do divino não falamos do “antes” e do “depois”. Quando se afirma que Cristo salva, tem uma universal ressonância. A ação transcende o tempo, não existe o “antes” e o “depois”. Não podemos separar eternidade e história. Esta eterna-história dinâmica é a verdade de todas as ações divinas, mas é particularidade somente da ação de Deus em Jesus. Esta universal ação de Deus em Cristo é realizada no tempo através da história, dinâmica e progressão de ações que constituem a estrutura. As concretas ações têm um significado universal e relevância como partes de sua estrutura.
Para voltar à antiga formulação: Jesus é o Cristo, mas Cristo é mais que Jesus. É preciso considerar o mistério de Cristo que inclui todas as outras manifestações de Deus na história. Pode-se descobrir que há salvação do outro lado da Igreja que confessa a fé em Jesus como o Cristo. Cristo é universal porque o Espírito é universal. Ele agiu em Jesus. No batismo o Espírito desceu sobre Jesus. Ele está presente e ativo em toda parte. Para o cristão, o que é especial sobre Jesus é que em seu mistério pascal Deus tem manifestado ao mundo o seu amor, ao se revelar às pessoas. A Igreja é serva do mistério e vive o mistério como foi manifestado em Jesus.
3.2.4. Uma Igreja serva [27]
Parte do problema sobre as questões que discutimos concernentes à universalidade de Cristo é a imagem da Igreja que temos. A Igreja é a instituição visível que é criada de formas ritual e organizacional. É neste sentido que podemos vê-la como uma religião entre outras. Mas algumas vezes também, pensamos sobre a Igreja como um mistério, o mistério do corpo místico de Cristo, que inclui todos os que são salvos. Se considerarmos a Igreja como uma religião, não podemos atribuir a ela única e universalmente o que atribuímos a Cristo. A Igreja é limitada cultural e historicamente, ela é peregrina, daí considerar que há salvação fora da Igreja.
Freqüentemente, temos uma imagem da salvação histórica como a realizada dentro da Igreja. Mas é preciso entender que a imagem que a Igreja deve ter é a de serva, que proclama o mistério do Reino de Deus, não se considerando triunfalista. O seu serviço é precisamente o de ajudar e unificar o humano e promover uma comunidade humana de diálogo e colaboração. O caminho concreto em que a transformação e unificação tomarão os seus lugares é um mistério que é conhecer a Deus unicamente. Todos podemos fazer completamente as nossas ações, não somente fundamentados no mistério do amor de Deus, mas de seu auto sacrifício manifestado em Jesus. O meio da salvação está na liberdade e na generosidade de Deus.

3.2.5. Uma visão da história
Uma visão linear da história. Há uma tensão na descontinuidade entre natureza e graça, entre o antes e o depois de Cristo. As outras religiões são o outro lado da história da salvação. A eleição de um povo ou de uma pessoa não é exclusiva, mas sacramental e simbólica. A atividade cósmica do mundo e o Espírito são afirmadas pela Palavra e o Novo Testamento precisamente tem como base a ação salvadora através da experiência particular de Deus, agindo na pessoa e na vida do povo. A visão alternada de uma salvação no plano de Deus abarca o mundo e todas as pessoas. Isto inclui a sensibilidade de como é a história. Há um ponto interativo de Deus, entre a sua liberdade e o ser humano; entre o chamado e resposta.
Eleição, representação, solidariedade e missão são criativa e estruturalmente elementos desta história. Esse relacionamento entre Deus e o humano são jogados no contexto das culturas e das tradições. Ambos, liberdade e cultura são fatores do pluralismo. Mas este pluralismo é integrado com o plano que Deus tem para o mundo. A unidade do plano de Deus é uma unidade de relação, juntamente de identidade, não de uma simples pluralidade.
O plano de Deus para o mundo é uma rede de relações. O que podemos fazer nesta situação é afirmar e viver nossa identidade, exercitando uma relação de diálogo com outros. No ouvir os outros, deve-se discernir juntos qual caminho progressivamente descobrir no plano de Deus no curso da história.
Nós experimentamos em nosso diálogo com outros que Deus tem também sido ativo para com eles. Nós cremos que haverá a transformação e unificação de todas as coisas em novo céu e nova terra, quando Deus será tudo em todos (1 Coríntios 15.28). Com esta esperança nós entramos com as relações, construindo o novo céu e a nova terra. [28]

3.3. O significado de Cristo [29]
Deus é realmente o Salvador de todas as pessoas. Ele não é o Deus de um povo particular. Sua ação não é limitada a um particular histórico e tradição cultural. Cristo tem rompido com todos os elementos que dividem. Reconhecemos Cristo em Jesus, vimos com o Novo Testamento, particularmente com João e Paulo, que Cristo e seu Espírito são ativos em toda parte. Nós ouvimos a expressão de outros, que é também nosso privilégio ativamente e parte da nossa experiência do mistério de Cristo em Jesus e sua relevância contemporânea do mundo.
Devemos resistir à tentação de reduzir a universalidade de Cristo à universalidade visível, da Igreja institucional. Deve-se dizer que as limitações da Igreja na cultura e na história tomam lugar de outras religiões no plano de Deus para o mundo, justamente contemplando a Jesus que agiu sob a direção do Espírito, segundo as reflexões do Evangelho de João.
Tem que haver um lugar entre o Inclusivismo e o pluralismo. O pluralismo está preparado para suportar as experiências de existir com outras religiões. Está estruturado dentro de uma unidade. Todas as crenças crêem em Deus, e porque elas crêem que Deus é um e terão que afirmar isso. Mas essa unidade é escatológica. Mas, antes é preciso passar pelo diálogo na história.
A meta da missão é fazer nossa contribuição para a realização do plano de Deus para o mundo. Isto requer ouvir os outros, ler os sinais dos tempos, construir uma comunidade que promova a liberdade, unida e justa na esperança. Para proclamar a salvação universal de Deus em Cristo, não é falar sobre ela, mas fazer em alegria. Nós devemos também proclamar-realizar as Boas Novas de Jesus. Jesus envolveu-se particularmente com a vida do pobre. Ele optou pelo pobre e oprimido. Ele escolheu o caminho da cruz, da total ser-entrega, até à morte. Ele foi solidário com o povo, particularmente no sofrimento. Cristo identificou-se com o sofrimento da humanidade. Assim, a Igreja deve estar aberta ao mundo e ao mistério de Deus, identificando-se e propagando a mensagem do Reino de Deus.

4. A experiência que o ser humano faz da salvação [30]
A salvação é Deus. Diante desta afirmativa se pode refletir na dimensão transcendente. Deus atinge o ser humano de forma integral em seu contexto, que é a dimensão imanente. Sendo desta forma, há expressões múltiplas a partir da salvação realizada por Deus vindo ao encontro do ser humano. Logo, não se tem um conceito de salvação? É preciso entender que os contextos mudam constantemente.
As outras religiões ao trazer o conceito de salvação não só a oferecem, mas fazem que a pessoa tenha algo concreto. O intuito é “fazer bem”. Perscrutar acerca da certa afirmação que faz ecoar, que as religiões não têm nada de bom, passa a ser uma afirmação fora de contexto. Uma pergunta que se faz é se as salvações das religiões são de Deus? Será que as experiências são feitas em Deus? Todo o problema da religião é sair de si mesmo e encontrar o outro. A Realidade Última. Se não sabe quem é Deus, concomitantemente, há a necessidade de se refazer certa postura.
Por outro lado, prescindir das religiões, por si afirmar que é Deus quem salva, não havendo necessidade de religiões, isso é inaceitável. O objetivo das religiões é oferecer salvação. Dar respostas às questões cruciais, que as ciências não podem dar, como por exemplo, o sentido da morte. Daí a necessidade de uma reflexão teológica.
O que diz a teologia? Tem a Teologia uma palavra sobre as outras tradições religiosas ou todas elas e seus adeptos estão no inferno? Têm elas algo de bom ou somente aquilo que é do diabo?

5. A Palavra da Teologia [31]
A ação do Espírito Santo universaliza a salvação. Esta ação é percebida no Novo Testamento (Atos 10). Uma ação universal, mas também cristofórmica. O Espírito nos faz filhos e filhas do Pai. Toda ação do Espírito é nos levar a fazer o que Jesus fez. Esta ação do Espírito Santo é experimentada. Esta ação se estende também para outras religiões, o que não é nada fácil para o cristianismo aceitar, mas que deve assumir uma postura de humildade.
A questão do pecado perpassa a todas as religiões, inclusive o cristianismo, pois o próprio tem muitas coisas que não são de Deus. Por exemplo: a questão do poder da própria Igreja, a vaidade e outros afins. Encontramos na história múltiplas expressões marcadas pelo pecado, pelo egoísmo. Assim, as religiões não são perfeitas. Logo, reflete-se que, todas as tradições precisam de aperfeiçoamento, e, concomitantemente, o cristianismo também precisa. Desta maneira, receber de outras religiões influências, podem ser ferramentas, a fim de que se perceba aquilo que se deve ver e não se vê.
É algo estranho afirmar que o conhecimento de Deus pode ser aperfeiçoado pelo contato com outras religiões, mas isto é algo que os cristãos precisam rever. Se Deus permite a existência de outras religiões, o que ele quer dizer com isto? Esta é uma pergunta teológica.[32] Também, há algo de verdadeiro nas outras religiões? Tem consistência o sistema de uma determinada religião? Quando todas afirmam que vem de Deus, é preciso verificar se isso é verdadeiro, porque Deu age onde quer pelo seu Espírito Santo.
A Filosofia ensina que o ser humano é um ser aberto à transcendência. Ele sempre quer mais; ele não se contenta com o finito. A fé é o dom que nomeia o transcendente e desta maneira se pode entrar numa definição teológica. Logo, é fundamental observar as diversas leituras sobre a verdade em outras religiões, sem perder de vista a identidade cristã.
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[1] AMALADOSS, M. The Pluralism of Religions and the Significance of Christ. Vidyajyoti Journal Theological Reflection. Vol. LIII, august, 1989, No 8. P. 401-420.
[2] MIRANDA, M. F. Cristianismo e Religiões. Apontamentos da Disciplina ministrada no Curso de Doutorado em Teologia Sistemática. Rio de Janeiro, 13.03.2003. Sobre este assunto, o mesmo autor trata em sua obra “O Cristianismo em face das religiões”, São Paulo: Loyola, 1998, faz uma análise da situação de forma acurada, e propõe uma Teologia das Religiões.
[3] Ibidem. Apontamentos de 13.03.2003.
[4] LIPOVETSKY, G. A era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo, p. 7.
[5] BERGER, P. L. The heretical imperative. New York, 1980, p. 1-29.
[6] MIRANDA, M. F. Verdade cristã e pluralismo religioso. Rio de Janeiro: 2003, p. 1-2.
[7] MIRANDA, M. F. Apontamentos, 13.03.2003.
[8] MIRANDA, M. F. Apontamentos da aula do dia 20.03.2003, com fundamento em LIPOVETSKY, G. A era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo, p. 1-16.
[9] MIRANDA, M. F. O Cristianismo em face das religiões, p. 73-104. O autor trata deste assunto com muita precisão.
[10] Ibidem, p. 75.
[11] Ibidem, p. 88-90. O autor de formas sintética e objetiva apresenta esse quadro soteriológico de algumas das grandes religiões.
[12] Ibidem, p. 88-90.
[13] HAIGHT, R. Jesus and Salvation: na essay in interpretation. Theological Studies, 55, 1994. p. 227-229.
[14] Ibidem, p. 228.
[15] Ibidem, p. 232-235.
[16] Ibidem, p. 244.
[17] Verificar as obras de MIRANDA, M. F. O Cristianismo em face das Religiões, (p. 35-71) e SCHILLEBEECKX, E. Universalité unique d’une figure religieuse historique nommée Jésus de Nazareth (265-281).
[18] SCHILLEBEECKX, E. Universalité unique d’une figure religieuse historique nommée Jésus de Nazareth 265-267. Nas páginas 269-281, o autor propõe oito teses concernentes acerca da identidade e universalidade de Jesus.
[19] MIRANDA, M. F. O Cristianismo em face das Religiões, p.28.
[20] Acho interessante a proposta de AMALADOSS, M. The Pluralism of Religions and the Significance of Christ. Vidyajyoti Journal Theological Reflection. Vol. LIII, august, 1989, No 8. P. 402-420.
[21] RAHNER, K. El cristianismo y las religions no cristianas. Escritos de Teologia V. P. 152-154. Esta é uma das teses defendidas pelo autor, em que consiste da graça consciente está presente antes da palavra missionária chegar a algum lugar. O “Cristão Anônimo" é aquele quem antes de chegar a pregação da Igreja, ele já possui a salvação de Cristo, mediante a graça divina.
[22] AMALADOSS, M. The Pluralism of Religions and the Significance of Christ. Vidyajyoti Journal Theological Reflection. Vol. LIII, august, 1989, No 8. P. 402-404.
[23] HICK, J. The Myth of God Incarnate. London, SCM, 1977: In: AMALADOSS, M. The Pluralism of Religions and the Significance of Christ. Vidyajyoti Journal Theological Reflection. Vol. LIII, august, 1989, No 8. P. 403. Esta obra de J. Hick encontra-se traduzida para o português “A metáfora do Deus encarnado”, pela Vozes, 2000. 230p.
[24] AMALADOSS, M. The Pluralism of Religions and the Significance of Christ. Vidyajyoti Journal Theological Reflection. Vol. LIII, august, 1989, No 8. P. 404-405.
[25] Ibidem, p. 408-410.
[26] Ibidem, P. 410-414.
[27] AMALADOSS, M. The Pluralism of Religions and the Significance of Christ. Vidyajyoti Journal Theological Reflection. Vol. LIII, august, 1989, No 8. P. 414-416.
[28] Ibidem, p. 416-417.
[29] Ibidem, p. 417-419.
[30] MIRANDA, M. F. Apontamentos da aula do dia 22.05.3003. Rio de Janeiro: PUC.
[31] MIRANDA, M. F. Apontamentos da aula do dia 22.05.3003. Rio de Janeiro: PUC.
[32] Ibidem, 29.05.2003.