sexta-feira, 16 de novembro de 2007

IGREJA REFORMADA E VISÃO MISSIONÁRIA

Por: Rev. Dr. Nelson Célio de Mesquita Rocha

A missão da verdadeira Igreja de Cristo Jesus é mais do que proceder caridosamente. É participar da reconstrução do mundo, como Jesus procedeu. É reintegrar de modo pleno o homem no Reino de Deus. Não utilizar somente a Palavra como teoria, mas na prática mostrar a operosidade que procede de Deus. “MENOS CARIDADE E MAIS JUSTIÇA”, escreveu alguém no muro de uma rua de uma certa cidade. A Igreja precisa estar atenta às carências das pessoas, e oferecer-lhes o conforto de que tanto precisam.

1. Permanecendo na cidade até quando?
Em Lucas 24.49 está registrada uma ordem de Jesus dada aos seus discípulos para que permanecessem na cidade de Jerusalém. Mas, essa permanência seria por muito pouco tempo; não definitivamente. Eles não deveriam ficar acomodados, observando os acontecimentos sem uma ação dinâmica. Até quando deveriam permanecer em Jerusalém? “Até que sejais revestidos de poder (dínamis) do alto”. É lamentável que pessoas não entendam as palavras do Senhor, e permaneçam dentro de si mesmas, ou de suas paredes, ainda, das quatro paredes de um templo, a fim de não cumprirem a vontade de Jesus Cristo, como se de fato fosse assim mesmo: adoração sem compromisso com a missão de fazer discípulos de todas as nações.
O Espírito Santo foi enviado para capacitar a Igreja; dar-lhe poder para realizar-se como a missão confiada pelo Senhor, de ir por toda parte e proclamar as boas novas de salvação a todas as pessoas. Jesus prometeu enviar o Espírito: “da minha parte, eu vou enviar-vos o que meu Pai prometeu.”
A Igreja quando entende a sua missão acomodada na história, não se caracteriza e se realiza como povo de Deus. A Igreja que desejamos é aquela que descortina novos horizontes e encarna na existência humana o projeto de Jesus Cristo. A sua missão constitui a opção pelos pobres e marginalizados e por todas as pessoas a quem Deus enviar para receber a salvação, que é a reintegração total do ser humano. Aos ricos, à conversão, no sentido de haver partilha. Aos pobres, lutar por seus direitos em todos os sentidos. Tudo isso não condiz com o “permanecer na cidade”.

2. Recebendo o dínamis do Espírito Santo
Em Atos 2.1-13, ao cumprir-se o Dia de Pentecostes, Deus enviou o Seu Espírito para dinamizar a Sua Igreja. A promessa feita foi cumprida, porque o Deus que promete é o Deus que cumpre. Deus é fiel ao cumprimento de Sua Palavra. Ela não pode falhar.
No Antigo Testamento a palavra “ruah” é traduzida por vento, sopro, força de vida (Êxodo 15.8-10; Isaías 11.4; 40.7; Gênesis 2.7). Força misteriosa é a força de Yhwh. O Espírito de Deus é força de vida e criação (Gênesis 2.6; 6.2,17; 7.15,22). O Espírito como força psíquica operante (Juízes 13.25; 14.6; 14.19; 15.14, 3.10; 6.34; 11.29; 1 Samuel 11.6). Nestes textos constam que, homens realizaram obras extraordinárias, alcançaram vitórias inesperadas, sob o impacto do Espírito de Deus.
O Espírito de Deus se comunica constantemente ao povo através dos profetas (Zacarias 7.12; Isaías 48.16). O Espírito de Deus inspira transformação.
No Novo Testamento, o Espírito Santo é força, dínamis. É mais pessoal; é “alguém”. Nos evangelhos sinóticos, a exceção de Mateus 28.19, nenhuma dessas escrituras apresenta o Espírito Santo como pessoa, mas como força. Am Atos, o Espírito de Deus é concebido como força. A Igreja nasce por ocasião do Pentecostes. O Espírito de Deus dá coragem, força aos pregadores do Evangelho.
Não poderia ter havido um dia tão especial como foi o Dia de Pentecostes, para que a Igreja pudesse provar do dínamis de Deus, e apresentar os primeiros frutos: três mil batizados, após ouvirem o discurso de Pedro (Atos 2.14-41).
Quem recebe o dínamis de Deus, não o recebe para conforto de si mesmo, mas para realizar a vontade de Deus. Viver no Espírito é viver uma maneira nova. É uma nova criação que responde com um “sim responsável”.
A Igreja que desejamos é a Igreja que vive a liberdade do Espírito de Deus, sempre preparada para obedecer a todos os imperativos de Jesus em favor dos oprimidos e marginalizados pelo pecado. O pecado, a cada dia, execra a vida humana. Mas de modo novo, torna-se o que recebe a graça de Deus, sendo obediente dentro do Corpo de Cristo.

3. Obedecendo aos imperativos de Jesus Cristo
O próprio Jesus é a grande mensagem da Igreja. Ele é a salvação que se fez Pão; o Pão da Vida. Jesus não autorizou a nenhum de seus discípulos praticar a omissão. Em Romanos 1.16, Paulo diz o seguinte: “Pois não me envergonho do Evangelho: ele é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, do judeu primeiro, e depois do grego.” O Evangelho é o DÍNAMIS TOU THEOU (poder de Deus).
Fundamentada inteiramente no verdadeiro Amor (agápe), a Igreja deve estar. O Senhor ordenou a Sua Igreja, pelo menos três pontos fundamentais:

• Primeiro - Pregar as Boas Novas; evangelizar
A Igreja tem a missão de ser a voz de Deus no meio do povo. Neste mundo há corrupção, injustiça, pobreza, miséria, discriminação e muitos infortúnios.
No entanto, a Igreja, Povo de Deus, marca a sua presença na sociedade, sendo o “Sal da terra” e a “Luz do mundo” (Mateus 5.13,14). Ela tem de denunciar a injustiça, o analfabetismo, a doença, a falta de consciência política, o desamor e todos os pontos negativos que obstruem a vida. Os textos são bem claros sobre esses pontos (Mateus 28.18-20; Marcos 16.15-20; Lucas 10.1-11; Atos 1.8). Destarte, evangelizar não é uma opção.

• Segundo - “Batizando-os em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo”
O Batismo é desde o início da Igreja (1 Coríntios 12.13; 1.10-17; Romanos 6.3ss). Antes de o Cristianismo surgir, havia o batismo de prosélitos. Rito de iniciação, junto com a circuncisão para o ingresso no judaísmo, por causa das pessoas serem impuras. A pessoa tornava-se uma nova pessoa e se submetia a Torá (Lei). João Batista, através de sua experiência apela à conversão, numa tentativa de retomada à purificação. Convém lembrar que, João Batista batizou Jesus, com o sentido de entrar neste movimento do povo (Lucas 3.2ss). Os discípulos de Jesus também administravam o batismo (João 3.22; 4.2). A Igreja primitiva começou a batizar utilizando o referencial existente. Os batizados eram admitidos na Igreja como prova da Nova Vida em Cristo, onde não havia mais desigualdades nessa nova vida (Gálatas 3.28). Todos formavam uma unidade. É assim que a Igreja deve fazer também hoje.

Terceiro - A celebração da Eucaristia
Testemunhos da celebração eucarística: (1 Coríntios 11.23-25; Lucas 22.15-20; Marcos 14.22-25; Mateus 26.26-29; 54-56). Realidade e sentido da Ceia: Jesus, o anfitrião da Mesa. Ele é aquele que acolhe. As palavras do Senhor ressurreto foram entendidas pelos discípulos. Diante da Mesa do Senhor, os homens participam da realidade salvífica e da morte redentora de Jesus. A Santa Ceia possui um caráter profundamente teológico:

1. Tem perspectiva de passado: Em memória da morte de Jesus;
2. Tem perspectiva de presença: refeição da aliança e comunhão entre os cristãos;

3. Tem perspectiva de futuro: a plena comunhão do Senhor com todos.

A Igreja que desejamos é esta: sempre obediente a Jesus Cristo, o Senhor, em todos os aspectos.

4. Exercitando a articulação: Igreja, Reino de Deus e Mundo
Não dá para conceber a idéia da Igreja existir desvinculada do Reino de Deus, bem como do mundo. A Igreja está no mundo a serviço do Reino. Isto se constitui parte da missão da Igreja, do Povo de Deus.
A Igreja medieval passou por um momento problemático na história. Sua vida era irregular, mesmo dentro do clero havia a falta de conformidade com a causa genuína de Jesus. A corrupção dentro dos mosteiros era o reflexo da podridão reinante. O paganismo entrara na Igreja com seus diversos costumes e ensinos, que se diferenciavam da doutrina ensinada por Jesus Cristo em sua Palavra. A Igreja quando perde a sua identidade não pode ser útil à sociedade, que tanto dela precisa. A Igreja quando se afasta dos parâmetros de Cristo, passa a ser vista pelo mundo como uma comunidade qualquer, mas quando age semelhante aos cristãos dos séculos iniciais de sua existência, reluz pelo brilho da verdadeira luz, que é o próprio Cristo, sabendo ser Igreja em todo o tempo.
A Igreja de Cristo está presente no mundo, ajudando-o no seu processo de renovação e não separada dele, como fez a Igreja medieval. A Igreja, nessa fase da história, ficou dentro dos mosteiros, à parte, isolada. “Estamos orando pelo mundo”, era a voz da igreja Medieval.
O capítulo 17 do Evangelho de João reflete, na realidade, a articulação em questão, mostrando a verdadeira face da Igreja. Jesus, em sua oração intercessória, expressa a natureza da vida eterna através do conhecimento de Deus, bem como de sua missão salvífica. Enquanto Ele viveu entre os homens, manifestou a vontade do Pai, auxiliando as pessoas de todo o gênero, indiscriminadamente. Jesus continua em sua oração: “já não estou no mundo, mas eles continuarão no mundo...” (João 17.11). Os discípulos, vivendo e convivendo com as pessoas, deveriam demonstrar a prática da unidade pela pregação e vivência da verdade, sob o processo da santificação, a fim de que pudessem ajudar a todas as pessoas como fez o Senhor.
“Não peço que os tire do mundo, e, sim, que os guarde do mal” (João 17.15). Estas palavras mostram a articulação: Igreja, Reino de Deus e Mundo. São, pois, palavras que contêm uma didática toda especial, no sentido de haver uma profunda conscientização por parte da Igreja, inserida no mundo dos mortais, bem como hoje o despertamento, para que se possa ter a Igreja que desejamos.

4. Uma Igreja com Visão Missionária
É uma Igreja que está voltada para fora. Tem a dimensão de transcender na história. Sair de si para ir ao mundo.

Uma Igreja com visão missionária:

1. É uma igreja que tem uma visão que contempla o que Deus fez no passado.
Vê a libertação operada por Cristo na força do Espírito Santo.

2. É uma Igreja que contempla Deus no presente.
Crê em Deus atuando em sua providência.

3. Uma Igreja que olha para Deus no futuro.
Tem visão de futuro. Tem a esperança que não confunde e que a torna mais atuante hoje.

Rio de Janeiro, outubro de 2007.

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