quarta-feira, 11 de maio de 2022

“IN PRIMO LOCO” – UMA EXPERIÊNCIA LATINA

Foi no início de uma tarde de verão, por volta do ano de 1977, no centro do Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, quando eu trabalhava em um escritório de Arquitetura, a antiga STOP – Sociedade Técnica de Obras e Planejamento, localizada no Edifício Central. Eu ocupava o cargo de Auxiliar de Escritório. Nessa época, eu trabalhava e estudava. Não tinha muito tempo para ficar à toa na vida e ver a banda passar.

Dentre os arquitetos da STOP havia um que gostava muito de conversar comigo. Ele tinha cabelos grandes e grisalhos, tinha uma barba grande, e me lembrava a fisionomia de Karl Marx, constante nos livros. Eu, como sempre gostava de estudar, aproveitava as oportunidades vagas para perguntar alguma coisa sobre matemática ao o Dr. Afonso, pois eu o admirava muito pela sua paciência e intelectualidade.

Em uma dessas ocasiões, o Dr. Afonso me pediu para comprar alguns remédios. Ele era muito detalhista e passou a me dizer os nomes dos remédios que eu deveria comprar. Puxou da carteira uma quantia de dinheiro e me entregou, a fim de fazer a compra. E, passou a me explicar.

- Nelson, “in primo loco” compre Melhoral, Pepsamar e Sonrisal.

Disse eu – Dr. Afonso, Melhoral, Pepsamar e Sonrisal eu conheço, mas “in primo loco”, não. O que é? Quando o Dr. Afonso iria me explicar o significado, outro colega seu, um arquiteto muito importante, o chamou para falar sobre um projeto. E eu fiquei sem saber o que era o tal do “in primo loco”.

Pois bem, saí pelas ruas da Cidade Maravilhosa para comprar os remédios.

Consegui comprar os remédios, exceto o tal do “in primo loco”. Percorri todas as ruas e becos em que haviam farmácias. Na Rua da Carioca, um atendente me disse que não conhecia esse tal remédio “in primo loco”. Disse que somente conhecia um primo dele que era louco. Mas “in primo loco”, não.

O tempo estava passando... A tarde já estava quase declinando. Resolvi deixar de procurar o tal remédio, e levar apenas os que eram mais fáceis: Melhoral, Pepsamar e Sonrisal. Fiquei muito chateado. Não queria decepcionar o meu querido Dr. Afonso, meu “professor particular”.

Voltei para o Escritório. A Sra. Maria Amália que era a secretária da STOP, irmã do Arquiteto chefe, o Dr. Alfredo, bem como o Dr. Afonso e todos os que se encontravam lá, estavam preocupados por causa da minha demora, isto é, do  meu sumiço.

Quando cheguei esbaforido, encheram-me de perguntas: - Que houve Nelson? O que aconteceu? Pensamos que você tinha sido raptado por um disco voador. Naquela época estava uma febre de comentários sobre OVNIs – Objetos Voadores Não Identificados. Só se falava nesse assunto.

Eu, muito frustrado, disse-lhes: - Encontrei todos os remédios que o Dr. Afonso me pediu para comprar, mas não encontrei o remédio “in primo loco”.

Imediatamente, o Dr. Afonso deu uma boa gargalhada. E, todos começaram a gargalhar também. Perguntei: - Qual o motivo das gargalhadas?

O Dr. Afonso, que era um intelectual e muito detalhista, disse-me: - Nelson, “in primo loco” não é nome de remédio. Você é muito ansioso e não esperou eu explicar o significado. Disse eu: - Mas Dr. Afonso, o que significa? – Nelson, “in primo loco” é uma expressão em latim. Eu o quis dizer para em primeiro lugar comprar os remédios e depois ir ao Banco fazer um depósito. Mas você saiu correndo... Todos riram muito. E, eu com cara de bobo, comecei a rir também. Pedi desculpas e tirei uma grande lição: ouvir mais do que falar. Como eles gostavam muito de mim, os trabalhos pendentes ficaram para o outro dia. Saí depressa para São Cristóvão onde estudava no Colégio Estadual Olavo Bilac.

Essa foi uma “Experiência Latina” que me fez, posteriormente, em 1986, ganhar uma nota 10 na redação que fiz para a disciplina de Língua Portuguesa, no primeiro período da Faculdade de Teologia (Seminário Teológico Presbiteriano do Rio de Janeiro).

Rio de Janeiro – RJ – Brazil, 11 de maio de 2022.

Nelson Celio de Mesquita Rocha