quinta-feira, 7 de julho de 2022

A ESTRANHA JUSTIÇA DE DEUS

Mateus 20.1-16

Joachim Jeremias, conhecido e respeitado biblista evangélico alemão, é de opinião que esta parábola, comumente chamada de “parábola dos trabalhadores na vinha”, seria melhor indicada com o título: “parábola do bom patrão”. Para Jeremias, a parábola tem dois pontos altos: o primeiro é que o dono da casa emprega todos os desempregados, até a última hora, e manda pagar a todos o salário (vv.1-8); o segundo consiste na reclamação dos operários que trabalharam mais e na resposta que o dono da casa lhes dá.

Se medirmos o comportamento do senhor da vinha pelos nossos parâmetros, o Evangelho deste domingo nos põe diante de uma história no mínimo estranha. Não teria sido justo pagar menos a quem trabalhou menos tempo? Ou, então, já que o dono da vinha pagou também a estes o salário de um dia, não deveria ter pago mais que o combinado aos que trabalharam o dia inteiro, suportando o calor e o peso do dia? Essa estranheza é justamente o que a parábola quer causar em nós. E, através disso, Jesus Cristo nos transmite o “Evangelho”, a boa notícia da justiça de Deus, diferente da nossa.

A parábola tem dois finais: v. 15 e v. 16 que nos introduzem em dois aspectos da estranha justiça de Deus. Estranha justiça, porque bondade. O dono da vinha não considerou o resultado do trabalho, mas sim a pessoa que o executou. O que trabalhou todo o dia ganhou o que havia sido estipulado. Mas também o trabalhador da undécima hora tem uma família a sustentar e por isso “merece” o salário mínimo que mal lhe garante a subsistência de um dia. Aqui a pessoa está acima do produto. No sistema capitalista em que vivemos ocorre o contrário, onde o resultado do trabalho vale mais que o trabalhador.

Na perspectiva da justiça de Deus, a parábola estabelece uma inversão na nossa ordem das coisas. Essa parábola foi assim vivida por Jesus em seu ministério, ao acolher publicanos e pecadores e preferi-los aos justos, ao proclamar que os pobres eram os primeiros destinatários da “boa nova”, ao confiar que as prostitutas precederiam os “justos” fariseus no Reino de Deus. Essa parábola foi vivida pela Igreja primitiva ao aceitar os desprezados pagãos em seu seio e garantir-lhes assim a mesma participação nas promessas de Deus que aos judeus convertidos.

Caso a Igreja de Cristo toda não venha a fazer dos últimos na sociedade os primeiros em sua missão e em seu amor, há de acontecer-lhe o que foi dito no final da parábola: “os primeiros serão os últimos”. É que esquecemos que ser Igreja não é privilégio, é serviço. Quem serve sempre é o último, porque, para ser realmente “servo de todos” (Marcos 10.44), há de começar a servir o que está mais embaixo.

Na medida em que esta for nossa opção real, a justiça de Deus se realizará por nós e em nós. A justiça de Deus é bondade, que considera primeiro o último.

A decisão do senhor da vinha é o coração da parábola e traça nítida distinção entre a justiça da nossa sociedade e a justiça do Reino. A justiça das pessoas diz: cada qual recebe pelo que fez, sem levar em conta a necessidade de cada um, nem os motivos pelos quais as pessoas estavam desempregadas após terem perdido o seu pedaço de terra. A justiça do Reino de Deus, por sua vez, tem este princípio: todos têm direito à vida em abundância. Os marginalizados não carecem em primeiro lugar da beneficência, mas da justiça que arrebenta os trilhos estreitos daquilo que normalmente entendemos por justiça. É isso que faz o senhor da vinha: dá a cada um segundo a justiça do Reino.

Rev. Nelson Célio de Mesquita Rocha