quinta-feira, 14 de julho de 2022

A Diaconia e sua busca de identidade entre a teoria e a prática - Aula 2


 A Diaconia e sua busca de identidade entre a teoria e a prática

Aula nº 2

Rev. Nelson Célio de Mesquita Rocha

      A Diaconia como disciplina de curso na Universidade é uma disciplina emergente.[1] Ela está deixando de ser secundária para ser primária na grade teológica. Mas, ainda falta muito, diante da baixa intensidade de pesquisa e de publicações.

       A ciência teológica tem um grande desafio pela frente, diante da situação em que a Igreja está inserida. Uma situação que pesa mais é o discurso sem a prática. Diante da necessidade de combinar o binômio PREGAÇÃO-PRÁXIS, significa que a pregação tem de andar lado a lado com a prática e a prática com a pregação. Segundo o ensino bíblico-teológico-doutrinário não pode haver vida cristã abstrata.

Perguntas fundamentais para reflexão:

        1.    Por que buscar identidade entre a teoria e a prática?

2.    O que significa ter uma identidade?

3.    Para que uma identidade?

4.    Qual a base para uma identidade?

      1. O porquê da busca de uma identidade se dá em função do exercício da missão cristã, quando esta anuncia a Palavra de Deus de modo integral, abrangente e concreto. Esta é uma preocupação legitimamente bíblica: cuidar do órfão, da viúva, do pobre e do estrangeiro; enfim, do próximo (Cf. Lv 19; 25.35-55; Mt 5, 6 e 7; Lc 10.25-37; 1 Jo 4.7-21...).

   2. A identidade é aquilo que identifica a comunidade. É a personalidade visual da comunidade ou do grupo, ou ainda da pessoa, resultante do efeito interativo das características comuns de suas imagens visuais. Ter um a identidade é poder se conectar com todos os campos da existência humana. No livro dos Atos dos Apóstolos é observado que a Igreja Primitiva possuía uma identidade forte diante da sociedade civil (cf. At 2.42-47; 4.32-35).

      3. O sentido legítimo de uma identidade é para poder se desenvolver; e se desenvolver com substância e alcance do objetivo para o qual algo foi criado. A diaconia, por exemplo, desenvolvida pela Igreja, mostrará a sua verdadeira face, uma vez que ela foi estabelecida pelo Senhor para ser o sal da terra e a luz do mundo.

     4. O fundamento para a identidade legítima da Igreja em sua práxis diaconal é toda a vida de Jesus Cristo. Jesus é o Deus que se humanizou. Isso quer dizer que ele se tornou como um de nós seres humanos (Fp 2.5-11). Ele deu a sua vida pelas pessoas; ele não se olvidou enquanto Deus Missionário e apaixonado, de sua criação. Assim, a Igreja que é o seu corpo na terra tem uma missão relevante.

    A identificação[2] é o processo pelo qual o indivíduo se liga a outra pessoa, ou a um grupo de pessoas ou a objetos. O indivíduo se assemelha a alguém, no pensamento ou no comportamento, através da integração de uma imagem em seu próprio eu.

    Os membros do Corpo de Cristo têm uma identificação com o próprio Cristo que é seu fundamento. Essa identificação tem a ver com o novo ser formado do mais íntimo da ação misericordiosa do Senhor (2 Co 5.17). Por isso não pode escapar de ser aquilo que deve ser, segundo o que foi operado de novo. 

Uma identidade que necessita ser qualificada pela teoria e pela prática

   Na sociedade em que vivemos há uma cultura que despreza o trabalho manual em benefício das tarefas intelectuais e religiosas.[3] Com a modernidade veio a secularização, que teima em persistir na exaltação do “espiritual” e no profundo desprezo pelo “material”. Esta postura é antibíblica.

    O dualismo “espiritual” e “material”, “sagrado” e “profano” entrou na vida dos evangélicos brasileiros através de uma espiritualidade dicotomizada que, embora seja aceita como evangélica, é verdadeiramente grega e medieval. E, isto provoca constantes desvios no modo de crer e de viver a mensagem cristã.

     Este dualismo enfatiza ao extremo o “espiritual”, esvaziando e empobrecendo em demasia a missão integral da Igreja, reduzindo-a à tarefa evangelizadora. O corpo humano, corpo material, é colocado apenas como muleta do espírito e, às vezes, muleta descartável.[4]

     Diante do exposto, é necessário resgatar o verdadeiro sentido da antropologia bíblica, que de nenhum modo ensina o conceito de que o corpo é um impedimento inútil e um estorvo para o desenvolvimento pleno da alma, que por isso deve eliminar-se na primeira oportunidade. É importante observar que a antropologia bíblica jamais induz a desdenhar ou a maltratar o corpo. No trono do juízo, por exemplo, todos serão recompensados pelas ações feitas no corpo. Neste caso o corpo provê os meios pelos quais podem expressar-se os valores morais e espirituais inerentes à alma.

    O sentido da Diaconia buscar a sua identidade entre a teoria e a prática, mostra que a vida cristã deve fundar-se nessa antropologia bíblica que concebe a vida humana integral e não dividida entre o “material” e o “espiritual”. Isto é fundamental tanto para o gozo e exercício da salvação quanto para a vida depois da morte.

Compromissos

    É tempo de haverem visões amplas, radicais e profundas. É chegado o tempo de ser vivenciada uma espiritualidade incessante e transparente cuja consequência inevitável sejam compromissos vitais com o senhorio de Cristo e, ao mesmo tempo, com as necessidades humanas em todos os níveis.[5]

        1.   Compromisso de uma vida integral – Vida integral é aquela vida vivida inteiramente sob o senhorio de Jesus Cristo, na totalidade de suas dimensões: sejam as da interioridade ou corporalidade; da vida afetiva ou intelectiva; da vontade ou do estilo de vida; dos valores ou das motivações mais profundas; da vida familiar ou da vida profissional.

        2.  Compromisso de um ministério integral – Enfatiza-se a necessidade de um ministério nascido e colocado integralmente a serviço do Senhor da Igreja. O enfoque não se refere apenas à questão do tempo parcial ou integral. Mas, já demonstra as prioridades na vida de um cristão ou de uma cristã. Assim, uma comunidade cristã caminha na direção de uma existência terapêutica, lugar de conforto, de consolo, de cura, de repouso, de reflexão, de tomada de decisões, de sonhos e de utopias; lugar de acolhe-recolhe e, depois, devolve para a vida com inspiração e esperança de um novo recomeçar.

        3.    Compromisso com um mundo integral – A proposta de uma busca de identidade entre a teoria e a prática tem o objetivo de haver um envolvimento com a massa da sociedade e uma aproximação dos desprezados, explorados e desumanizados. É tempo de realizar um ministério integral e humanizador, de diminuir as distâncias, de destruir as barreiras, de humanizar a dor, de curar os sofrimentos, de recuperar a crença em Deus Pai e nas pessoas de boa vontade. É preciso assumir que essa missão integral tem caráter universal.

Motivações para a Diaconia

       Uma leitura atenta do Evangelho mostra que Deus não está interessado somente no que fazemos, mas especialmente no porquê o fazemos. Isto quer dizer que a motivação é tão importante ou mais importante do que a ação.[6]

Ø  Motivações erradas: o sentimento de culpa; a competição com outras igrejas; o empreguismo; o ativismo impensado; o modismo; a utilização da ação social como simples isca evangelística; a manipulação política; a ocupação de espaços ociosos ...

Ø  Motivações corretas: a imitação do Cristo encarnado; a determinação de servir a Cristo através da diaconia; a identificação com as pessoas; o ato de servir a Deus juntos aos necessitados.

Para reflexão: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2.5-7).



[1] Cf. NETO, Rodolfo Gaede. A Diaconia de Jesus: uma contribuição para a fundamentação teológica da diaconia na América Latina. São Leopoldo: Sinodal: Centro de Estudos Bíblicos; São Paulo: Paulus Editora, pp. 13 ss.

[2] LIMA, Leonardo Pereira. Dicionário de Psicologia Prática, Vol. II. São Paulo: Honor Editorial, 1970, pp. 293-294.

[3] FIGUEIRÊDO, Adiel Tito de. Diaconia ou Promoção Humana. São Paulo: Pendão Real, 1997, p. 47.

[4] Cf. Ibid.

[5] FIGUEIRÊDO, Adiel Tito de. Diaconia ou Promoção Humana, p. 53 ss.

[6] Ibid., p. 55 ss.