quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A JUSTIÇA DE DEUS


“Justo é o Senhor em todos os seus caminhos, benigno em todas as suas obras”

(Salmo 145.17)

Dr. Nelson Célio de Mesquita Rocha

Parece que o cenário histórico onde estamos inseridos, não percebe qual é o direito de cada pessoa ou de grupos, ou ainda mesmo de nações. É certo que o homem perdeu a sensibilidade do que é sublime no relacionamento com o semelhante, onde ninguém é de ninguém, na percepção que capta a mente e o coração neste tempo que se chama hoje. Se a justiça é a conformidade com o direito; a virtude de dar a cada um o aquilo que é seu; ainda, a faculdade de julgar segundo o direito e melhor consciência (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2a edição, revista e aumentada (16a impressão), há um grande hiato nesse sentido, face ao mal no coração do homem, que se chama pecado, afastamento de Deus, e, concomitantemente, distância de do próximo. O cenário é este por causa do não conhecimento da Justiça de Deus.
A Bíblia ensina que Deus é justo. Todos os caminhos de Deus são justos. Isto significa que em Deus não há injustiça. Portanto, este é um dos atributos do Senhor. Sendo assim, podemos ter a certeza de que não estamos desamparados neste cenário de injustiças. Temos alguém que intercede, que age, que julga as nossas causas, quando tentarem nos acusar ou quem sabe tirar o que é nosso. A maravilhosa justiça de Deus não tarda. Ela vem no tempo certo, pois assim cremos.
Sendo Deus justo, não permitiu que o pecado nos levasse para o inferno, mas na Sua providência, nos justifica em Cristo Jesus, em quem toda a justiça divina foi satisfeita. Destarte, se aprende na Bíblia que Jesus é o Rei de Justiça (Hebreus 7) e o Seu reinado não terá fim. Diante disso, somos todos, convidados à prática da excelente justiça, que se desdobra na existência de quem foi transformado por Cristo, para que possa existir um mundo mais justo. E, nessa continuidade, não cessaremos de proclamar que o Senhor é quem julgará o mundo e as suas obras, quando da parousia, ou seja, da volta de Cristo para julgar os vivos e os mortos.
Sendo o Senhor justo, pode todas as coisas, estando perto de todos os que o reconhecem como o verdadeiro Deus. Ele acode nas dificuldades e salva os que estão em perigo, porque o Senhor é benigno. Certos disto, não haveremos de ter medo dos injustos e de suas injustiças. Mesmo sabendo que o cenário é de desequilíbrio em termos de justiça, confiamos na Justiça de Deus, porque acima dos magistrados civis, está Aquele que julga por amor, sem barganhar o que é mais sublime: a vida. Deste modo, ainda que homens se levantem contra inocentes para lhes estirpar a justiça e o direito, confiemos na Justiça de Deus.

Quem é Jesus Cristo?

Texto bíblico: Hebreus 2.10-18

Dr. Nelson Célio de Mesquita Rocha

Fotos Jesus Cristo


Introdução
  • A nós cristãos interessa muito conhecer tudo o que pudermos sobre a pessoa e a vida de Jesus precisamente porque cremos que, através dessa pessoa e dessa vida concreta, Deus se nos revelou de forma única, excepcional e irrepetível.
  • Se em Jesus me encontro com o mistério de Deus encarnado, como não me interessará conhecer com maior concreção possível como ele é, o que defende, de quem se aproxima, que atitude adota perante os que sofrem, como busca a justiça, como trata a mulher, como entende e vive a religião...
Explicação
  •       A Epístola aos Hebreus tem uma maneira especial de apresentar Jesus Cristo. Tem por finalidade mostrar Jesus ao mundo, pela sua ação intercessória em favor das pessoas. 
  •       A Epístola aos Hebreus apresenta como centro de sua mensagem a pessoa e a obra de Jesus Cristo, na qualidade de Sumo Sacerdote. Aquele que viveu para servir a Deus-Pai no serviço às pessoas.
  •       Podem ser percebidas as faces de sua ação em que se identifica com seres humanos, usa de misericórdia e faz a propiciação pelos pecados da humanidade decaída.
  1. Jesus é a causa da existência das obras da criação (V. 10)
  •        Tudo o que existe teve uma mediação; Deus criou todas as coisas por meio de Jesus Cristo; Jesus sendo Deus, presente nas obras da criação, demonstra que tudo tem uma origem no Eterno, e com isso somos devedores a Deus de tão grande graça.
  •        É por esta causa que somos conduzidos à glória de Deus, pelo aperfeiçoamento que Cristo nos dá. Por ele somos preparados para chegarmos a Deus, da maneira como o próprio Deus quer e não segundo as nossas vontades.
  •        Mesmo quando os sofrimentos nos vêm ao encontro, eles se transformam em matéria de aperfeiçoamento.
1.  Jesus e nós temos a mesma origem – o Eterno Pai (v. 11-13)
  •       Cristo se classifica pertencente à classe comum da humanidade.
  •       Encontramos nele o vínculo sólido para encontrarmos a nossa verdadeira natureza e    santidade.
  •       Sempre que ouvirmos a voz de Cristo nos chamando de irmãos, lembremo-nos de que ele nos revestiu com essa qualificação a fim de podermos, juntamente com o título de irmãos, lançarmos mão da vida eterna e de toda bênção celestial.
  •        A sua presença nos encoraja a viver a vida, nos conduz nos louvores, nos inspira em nossos cânticos e nos incentiva a sermos sempre vitoriosos.
2.   Jesus é aquele que participou de todas as instâncias comuns da humanidade e nos concedeu a libertação (14-15)
  •        Nasceu, viveu e morreu como todas as pessoas. Isto quer dizer que teve identificação máxima com a humanidade, sem deixar, contudo, de ser Deus.
  •        A sua morte não foi um fim em si mesma, mas através dela pôde destruir aquele que tem o poder da morte; não somente da morte biológica, mas muito mais da morte espiritual.
  •        Cristo nos livrou da sujeição do poder da morte da escravidão por toda a vida.
 3.  Jesus é aquele que pode socorrer, hoje mesmo, os que têm fé nele (v. 16-18)
  •        Jesus dá o socorro à gente de carne e osso; gente que sofre de toda a sorte de males.
  •        Ele é misericordioso e fiel sumo sacerdote, pois é o que fez a propiciação pelos nossos pecados.
  •        Se o pecado nos condena, muito mais é Cristo, que com a sua graça nos dá a salvação de nossos pecados.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A VIOLÊNCIA E O SAGRADO


Uma análise da natureza da violência segundo o escritor francês René Girard

Dr. Nelson Célio de Mesquita Rocha
  • GIRARD, R. A Violência e o Sagrado. [Tradução do francês La Violence et le sacré: Martha Conceição Gambini. São Paulo: Paz e Terra e UNESP Editora, 1990.


PONTOS FUNDAMENTAIS

Entre o sacrifício e a violência existe certa relação. A violência entre os grupos humanos é uma realidade presente. Não há como negar essa realidade. A violência faz a separação; destroi a comunidade. Quanto mais se quer destruir a violência, mais a alimenta. Pergunta-se: Como se chega à vivência de paz e a criação de comunidade? Responde-se: Mediante a canalização de todos para fora do grupo. O grupo desvia em direção a alguém (vítima) fora da coerção do mesmo grupo a violência, que de outro modo iria recair sobre os membros do grupo. A teoria do “bode expiatório”. A violência não pode ser eliminada, mas desviada, para a vítima, segundo o que ensina a religião. Ela se torna assim benéfica e construtiva porque se adquire a paz da comunidade. Aquele sobre quem recai essa violência legítima é a vítima sacrificada, e é expiatória. É fácil chegar à conclusão de um mecanismo de substituição, que faz parte de todo sacrifício. No mundo religioso o sacrifício é possível à substituição da vítima. O animal substitui a pessoa. Para proteger da violência o grupo desvia a própria para a vítima sacrificada.
No sacrifício quando a vítima é expiatória está a origem da sociedade. É algo fundante para toda a sociedade. Os membros do grupo humano se sentem purificados do mal quando destroi a vítima expiatória, desta forma descarrega na violência toda a violência interna de todos. Uma espécie de transferência coletiva muito forte. O pessoal do grupo não percebe na própria violência. Se há uma percepção, não funciona. O sacrifício não é visto como violência. É vista no bode expiatório Na unanimidade realiza-se a integração da comunidade. Assim, esta violência, legítima é fundadora da sociedade e da cultura. Na unanimidade cria-se a comunidade.
No sacrifício a violência não exige vingança. Fora do sacrifício existe, é claro. Sem o sacrifício impera a vingança de sangue, sob um processo interminável. Só o sacrifício pode parar esse processo infernal. Por isso o sacrifício é tão importante para a sociedade, de forma geral, para o seu conjunto mútuo.
No sacrifício os membros do grupo não percebem que a eliminação da vítima é fruto da violência deles. Trata-se de uma violência ocultada. A vingança como tal, e a violência, não aparecem como tais no sacrifício. É o resultado da obediência ao imperativo absoluto, divino. É o mecanismo desviatório presente no sacrifício.
A eficácia da substituição sacrificial supõe as semelhanças e dessemelhanças entre a vítima e o pessoal do grupo. Semelhança, mas sem confundir-se com os membros do grupo. Por exemplo: Uma vítima do mundo atual é diferente do ser humano. O mito de Édipo simboliza por sua parte desordem e violência. Depois de morto ele passa a ser visto como redentor.
Na gênese do sagrado se encontra o mesmo mecanismo que indicamos para a gênese da comunidade. A solução para a violência interna que desagrega tem um caráter sacral (é algo sagrado). O auto-engano presente no sacrifício pressupõe uma ordem superior divina. No coração do sagrado está presente a violência. O sagrado é a violência dos humanos vista como exterior a nós mesmos. Aí ficamos tranquilos. Neste sentido, o sagrado é útil. A violência não é humana. É uma ameaça transcendente que deve ser aplacada com ritos adequados; celebrações adequadas; a conduta modesta; nada de orgulho. Seria oportuno se o homem observasse o que acontece na comunidade. A evidência é vista no sobre-humano - vem de fora -, não está dentro de mim. Mediante a religião o ser humano sabe o que deve ser feito para manter a violência longe. É por isso que a religião dá tanta segurança. Quando os ritos são descuidados acontece o desastre.
O rito é muito importante, porque é necessário perpetuar a solução sacrificial expiatória. O acontecimento fundador passa a ser um rito. A repetição do rito sacrificial reitera de maneira forte a participação produzida pelo sacrifício primeiro, que criou a união do grupo; a comunhão do grupo. Assim, surge a necessidade de uma instituição estável; de um sistema preventivo para não recair na violência interna. Ritos, tabus, proibições, etc., perpetuam a eficácia do episódio da primeira vítima. E os mitos? Relembram esse episódio fundante. Convertido em rito, esse episódio se converte em um animal (substituição).
Eliminada a transcendência do sagrado toda a violência acaba sendo legitimada, se demitifica, abre-se a porta para uma violência maior, descontrolada. Temos como consequência secularizada. Aparece o famoso Sistema Judiciário, sai de cena o religioso. O sistema judiciário procura racionalizar a vingança. Mas fica limitada pela represália realizada pela autoridade competente. Trata-se de uma vingança. Continua presente na sociedade moderna e pós-moderna, e as vítimas continuam por aí. No sistema judicial a vingança não é vingada. O dever da vingança é superado para o cidadão concreto. Tanto no homem primitivo como no moderno se dá o ocultamento interno de vingança, de justiça soberana. Está presente no sistema, no oculto da vingança. Quando o sistema judiciário é desmistificado a coisa fica séria. Começa a imperar uma violência sem medida e a transgressão se torna um fenômeno social. Abrem-se as portas para o mais grave. Por exemplo: invasões de terra; justiça com as próprias mãos, etc.
Qual é a origem da violência tão enraizada no ser humano? Está na dinâmica do desejo. No desejo além do sujeito e do objeto há um terceiro - o rival -, que precisa do mesmo objeto que deseja o sujeito. Isto é um dado circunstancial ou não? Não. O sujeito deseja o objeto porque o rival o deseja. O sujeito é levado a imitar o desejo do outro, considerado como o modelo. Será uma coincidência do desejo. O ser humano é um ser de desejos. Ele quer ser. Somos inacabados, sempre querendo ser mais. É um ser com fome de desejo. O outro, o modelo, indica com o seu desejo aquilo que eu devo desejar para ser mais pleno. Com seu desejo o modelo indica aquilo que é desejável. O desejo é radicalmente mimético (imitação). A convergência dos dois desejos gera o conflito, logo, gera violência. Ao negar aquilo que é semelhante leva à unidade. É um negar afirmar que na semelhança haja unidade. O modelo leva à rivalidade. Desejo e violência estão vinculados mutuamente. Por uma parte você é chamado a imitar, isso provoca uma violência. Causa sofrimento. O que é aprender? Imitar o modelo. Não é apenas uma representação, mas uma apropriação. O modelo se torna rival, se não é representação ou apropriação. Rivalidade Mimética que explica o Complexo de Édipo. Imitando o pai, imita-se o desejo dele. O Complexo de Édipo: o pai deseja a mãe - o filho deseja a mãe (desejo). A criança não tem consciência, e o modelo é que faz a leitura e impõe esse tipo de leitura ao filho. O filho fica perturbado pela cólera. O filho fica com raiva. É obrigado a escolher entre a fidelidade ao modelo e a fidelidade ao próprio desejo (mãe). Esse é o desgarramento. Normalmente a criança escolhe o modelo, a fidelidade ao desejo. Há um forte conflito. Por que escolhe o modelo? Deverá ser justificado pela minha consciência (no filho, ou no discípulo). Cresce fiel ao modelo, e o desejo é sacrificado.
No mundo moderno o desejo mimético ficou libertado de proibições religiosas, de tabus, de justiças (tipo jurídico). Será que fica libertado da angústia? Não. Pois nas proibições que tinham no papel de certa presença dos desejos conflitantes estouram contra o modelo vivo convertido em rival (estava oculto); acaba sendo de maneira ativa. Não há como se libertar da angústia, que é o inimigo número um do ser humano. O modelo vivo convertido no moderno. Desenvolve-se com isso um universo competitivo. Quanto mais o homem moderno abraça modelos libertadores acaba se afogando. Quanto mais se defende as ideologias, mais conflitante o desejo de realizar as utopias.