Aula nº 3
Sobre o caráter emergente da Diaconia nos âmbitos eclesial e universitário, a suspeita de sua gravitação em torno das dimensões prática, profética e comunitária, a sua busca por uma conceituação contextualizada e por um lugar como disciplina teológica constituem os pressupostos para que ela invista mais na busca e no aprofundamento de sua base teológica.[1]
A
fim de que a Diaconia encontre desenvolvimento e possa conscientizar os membros
do Corpo de Cristo que é a Igreja, ela precisa estar aberta à pesquisa,
considerando profunda e urgentemente o fundamento da base bíblico-teológica.
Alguns
pressupostos precisam ser refletidos na busca de uma fundamentação teológica.
Mas, antes é preciso prestar bastante atenção no conteúdo do texto bíblico de Atos 2.42-47 que segue abaixo:
Ø Em cada alma havia
temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos.
Ø Todos os que creram
estavam juntos e tinham tudo em comum.
Ø Vendiam as suas
propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém
tinha necessidade.
Ø Diariamente
perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas
refeições com alegria e singeleza de coração,
Ø louvando a Deus e
contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o
Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.
É
necessário também observar Atos 4.32-35,
conforme segue:
Ø Com grande poder,
os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles
havia abundante graça.
Ø Pois nenhum
necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas,
vendendo-as, traziam os valores correspondentes
Ø e depositavam aos pés dos apóstolos; então, se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade.
Encontra-se em Atos, relatos de uma igreja dinâmica que, a cada dia, crescia em número de pessoas, em face da qualidade de vida existente. Não era um crescimento desordenado, mas fruto de uma existência firmada na base bíblico-teológico-doutrinária. Essa base se tornava a força operante do novo povo de Deus, a Igreja, em sua fase germinal.
Pressupostos para uma boa qualidade de vida diaconal
1. O elemento fundamental
“E perseveravam na doutrina dos apóstolos ...” Esta parte
inicial do texto de Atos 2.42 mostra que os membros da Igreja Primitiva
participavam com fidelidade do ensino dos apóstolos. Portanto, ser fiel é
exercitar a fé nos ensinos do Senhor, que os apóstolos transmitiam à Igreja.
A escuta e a obediência aos ensinos do
Senhor se constitui o primeiro traço característico da comunidade cristã de
todos os tempos e espaços. Desta maneira os leitores de todos os tempos e
espaços têm diante dos olhos um projeto de comunidade cristã ideal no qual
inspirar-se.[2]
O elemento fundamental e que qualifica
a comunidade é a perseverança ou fidelidade no empenho assumido. O verbo
escolhido por Lucas, “proskarterein” significa “ser assíduo, perseverante em
alguma coisa”, com ressonância litúrgica e cultural, ressalta muito bem o
comportamento de dedicação constante e comprometida dos convertidos.[3]
A perseverança se exprime em momentos ou estruturas essenciais: O ensinamento dos apóstolos, a comunhão fraterna e a fração do pão.
O ensinamento dos apóstolos
O
vocábulo grego “didakê” designa a instrução ou aprofundamento que segue à
adesão de fé inicial selada pelo batismo. O conteúdo abrange a releitura de
textos bíblicos à luz de Cristo, e a evocação dos ensinamentos de Jesus, para
guiar as opções práticas dos crentes.
O ponto de partida de uma comunidade cristã é a escuta da Palavra. O seu crescimento e amadurecimento dependem também do aprofundamento e interiorização da Palavra. Uma palavra que não é ideologia e moralismo, mas testemunho autorizado dos apóstolos. Assim, o ensino dos apóstolos é a transmissão fiel do que Jesus ensinou.
A comunhão fraterna
A
expressão traduz um vocábulo grego que ocorre só em Lucas, “koinônia”.[4]
Pode-se dizer que a comunhão fraterna é a união espiritual dos crentes baseada
na mesma fé e no mesmo projeto de vida.[5]
A
comunidade cristã realiza o ideal dos amigos entre os quais tudo é comum.
Assim, a lógica proprietária e patronal é substituída pela da participação e da
solidariedade.
Em outros autores – Paulo e João - o termo “koinônia” indica a comunhão de fé com Deus ou com Cristo e a união mais profunda entre os crentes, que se exprime e atua na fé comum, na experiência eucarística e na participação espontânea dos bens.
A fração do pão
Partir
o pão ou fração do pão, no ambiente judaico, significava cumprir o gesto ritual
ao início da refeição em comum: o pai de família ou o chefe do grupo toma entre
as mãos o pão, dá graças a Deus e o parte para distribuí-lo aos comensais.
Na
linguagem dos Atos, a expressão refere-se a toda refeição (2.42,46). Todos
participam, na condição não mais de uma família em particular, mas como família
da fé com um alto projeto de vida em comum.
A refeição comum e reservada dos cristãos acontece num clima de alegria e de simplicidade de coração. É a alegria festiva que acompanha a experiência ou a esperança da libertação ou salvação messiânica.
As orações
Trata-se
daquelas orações que demarcam o dia do judeu piedoso, a profissão de fé no
início e no final do dia, a ação de graças antes das várias ações.
O
grupo dos cristãos toma parte assiduamente e unido na liturgia do templo. O
templo de Jerusalém, para Lucas, é o centro da história salvífica, o lugar onde
Jesus se manifestou como sabedoria (Lc 2.41-50) e ensinou ao povo (Lc 10.47;
21.37; 22.53).
O
grupo dos discípulos, após a páscoa, toma o lugar de Jesus no templo (24.53).
Lucas, assim, ressalta a continuidade entre a nova comunidade messiânica e a
antiga história da salvação, concentrada no símbolo do templo.
Uma comunidade unida, solidária, pronta a repartir até os bens materiais, é aberta à esperança e reconhecida a Deus. Este estilo de vida traduz-se espontaneamente num estilo de oração, que dá o ritmo da vida comum dos primeiros discípulos após a páscoa.
2. A conexão entre a fundamentação e a prática
Como
já foi visto anteriormente, a diaconia tem seu fundamento no ensino
biblio-teológico. Está fundamentado no
ensino de Jesus Cristo no Novo Testamento.
Mas,
é preciso ir do ensino à prática, gerando uma conexão que permita um existir
sempre com o outro.
A
Igreja, o comunitário, é o lugar da chagada, ponto onde se fortalecem a fé, a
esperança e o amor. A Igreja, a comunhão dos santos, fortalece para novo
testemunho e envio. Por isso a fé não pode ser algo individual, particular. A
fé precisa ser vivida e testemunhada para fora, na vida social.[6]
Observemos as flores. Há as que jogam a sua semente para bem longe do pé. Uma delas é a Balsamina, conhecida como “Beijo”. Sua semente está numa cápsula que, quando madura, explode e joga sua semente para longe. Assim é o cristão. Ele tem a necessidade de jogar a sua semente para bem longe, a fim de que ela possa achar solo fértil, germinar, crescer e ser testemunho para outros.
A fé diaconal é restabelecida
A
comunidade cristã celebra, estuda a Bíblia, canta, ora. Ela se reúne para
buscar forças, renovar e fortalecer a fé, para melhor poder servir e se
engajar no projeto de vida de Cristo.
Como
Igreja de Cristo nós somos responsáveis pelo que acontece no mundo que nos
cerca. Por isso a fé, a a diaconia, ultrapassa os muros da comunidade, vence
as barreiras e as fronteiras para caracterizar a vivência do AMOR no mundo,
para se envolver nos problemas da vida do povo.
3. Os resultados positivos de uma busca incessante
Não é possível padronizar a diaconia ou
colocá-la em moldes estanques e acabados.[7] Isso
porque a diaconia se concretiza ali onde o sofrimento e a miséria tomam forma e
corpo. O próprio Jesus Cristo, na sua prática histórica como o Diácono maior
(Mt 4.23 ss; Lc 4.18 ss), nos revela que a diaconia acontece a partir das
exigências de situações, contextos e pessoas.
Com esta perspectiva, destaca-se que a
diaconia vivida por Jesus pode ser também a diaconia da Igreja, quando se
constitui na prática e na concretização da fé, do amor e no serviço
comunitário.
2. A valorização das capacidades e o respeito aos limites de
cada pessoa;
3. O olhar crítico e consciente da realidade mistificadora e
manipuladora;
4. A tomada de consciência de direitos e deveres das
pessoas;
5. A fundamentação nos valores e princípios éticos como:
liberdade, aceitação do diferente, justiça, participação e solidariedade;
1.
Pessoas conhecendo e seguindo a Jesus Cristo;
2.
O
Reinado de Deus sendo estabelecido na terra;
3.
A
vida humana sendo enriquecida;
4.
As
concretizações humanas sendo realizadas;
5.
A
boa moral e a boa ética sendo desdobradas no cotidiano;
6. O desenvolvimento constante de uma consciência cristã sóbria.
A
Igreja do Senhor está sempre no caminho. Ela não pode parar. Parar é pecado.
Assim, como povo do caminho, ela sempre está buscando melhor fazer a vontade do
Pai, através da diaconia.
Mas
a diaconia tem de estar fundamentada no ensino bíblico-teológico e se projetar
para fora, numa expressão de concretização da fé. Diante dessa ação, os
resultados serão percebidos naturalmente.
[1] Cf.
NETO, Rodolfo Gaede. A Diaconia de
Jesus: uma contribuição para a fundamentação teológica da diaconia na América
Latina. São Leopoldo: Sinodal: Centro de Estudos Bíblicos; São Paulo:
Paulus Editora, pp. 38 ss.
[2]
Cf. FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos
Apóstolos. Tradução e comentários. São Paulo: Loyola, 1991, p. 75 ss.
[3] GRUNDMANN, proskartereô, GLNT V, 225-229. In: FABRIS, 76.
[4]
Cf. FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos
Apóstolos, p. 76 ss.
[5] NAUCK, F., koinônia, GLNT V, 709-724. In: FABRIS, p. 76.
[6] NORDSTOKKE,
Kjell (Org.). Diaconia: Fé em ação.
São Leopoldo, RS: Sinodal, 1995, pp. 26, 27.
[7]
Cf. o estudo de NORDSTOKKE, Kjell (Org.). Diaconia:
Fé em ação. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1995, pp. 28 ss..
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