quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Criação e Salvação

 


Rocha, Nelson Célio de Mesquita. Criação e Salvação. Um estudo sobre a afirmação teológica da criação e salvação sob o dínamis do Espírito segundo Pierre Gisel. Rio de Janeiro, 2007. 458p. Tese de Doutorado – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O PROBLEMA DA ABORDAGEM TEOLÓGICA SOBRE A CRIAÇÃO E SALVAÇÃO
Ao ser considerada uma abordagem mais consistente acerca da reflexão teológica, no que concerne à problemática da criação e salvação quanto ao discurso teológico, é de profunda importância considerar que de acordo com a fé judaico-cristã, a doutrina da criação é, no sentido verdadeiro, doutrina de Deus uma forma de confissão de Deus como origem de todas as coisas, que, ao mesmo tempo, quer ser destino, do Criador que, ao mesmo tempo, quer ser salvador e consolador.
Por muito tempo a Igreja, principalmente a igreja protestante esteve distanciada do assunto da criação, compreendendo em seu contexto uma salvação desintegrada, considerando a alma em detrimento do corpo. Um ensino assim, apresenta-se sob a forma de uma linha gnóstica, responsável pela reflexão de uma salvação desintegrada do corpo. Em sua forma mais primitiva, o gnosticismo desapareceu quase totalmente no final do século III, época em que emergiu o maniqueísmo, tendência de dividir o mundo entre o bem e o mal.
Percebe-se também que um outro problema seja causa de transtorno para a reflexão teológica, que é o panteísmo. Do lado da ciência pode-se verificar o sistema cartesiano, que é base fundamental da modernidade, no sentido de separar mente e espírito. Da mesma forma, apenas se afirma teoricamente um Deus Criador e Salvador como mera confissão que somente sai do sentido da fala, sem um compromisso radical com a prática ensinada pela Bíblia e pela tradição teológico-eclesial.
Verifica-se também que existe uma crise ambiental no mundo, e que em muito compromete o ecossistema. Por que os pontos de vista teológico-criacionistas sofreram abalos, quando no passado se levantaram acusações de que a ordem bíblica dada aos seres humanos de dominarem a terra e de explorá-la em seu proveito deu uma grande contribuição para a atual ameaça do meio ambiente? Talvez para muitos cristãos o problema da relação entre Criação e Salvação se coloque no nível de uma abordagem de cunho espiritualista de proporções gnósticas, em que este mundo jaz no maligno. O que importa é a alma ser redimida. Enquanto essa problemática faz eco na sociedade, a terra está sendo abalada, destruída e sem defesa. É a denominada armadilha do “dualismo” religioso.
Um tema de grande repercussão entre católicos e evangélicos nos anos 70 (Séc. XX), cujo teor resumido da temática que foi desencadeada teologicamente, resultou em estudos de juízos diferenciados, no sentido que muitos admitiram que a compreensão de realidade dos escritos bíblicos possibilitam lidar com destemor com as coisas do mundo, propiciando o progresso tecnológico. Isto que dizer que os cristãos são chamados à única ordem de dominação que é desenvolver a salvação como resposta ao apelo a uma disposição irrestrita e responsável para preservar o mundo que é o espaço de prova de bênção outorgado pelo Criador.
A criação é lugar incontornável de prova de bênção. A realidade se apresenta com consistência própria, rica e complexa. Tem de haver uma relação entre o homem e a natureza, como está no conteúdo da criação em sua origem. Na Bíblia pode-se encontrar uma marca decisiva de estruturação dessa realidade. Deus se revelou mais profundamente no homem e a criação é oferta ao homem, como bênção ou ocasião de graça. Percebe-se nessa linha estrutural, a figura de gratuidade de Deus para com o homem. Quanto ao problema do mal, percebe-se o aumento de contingência e seu desdobramento desde a origem. O homem é responsável pela distorção ocorrida. As forças do mal e do pecado afetaram a humanidade e a própria natureza, fazendo com que perdesse a direção e a sua missão na terra. Assim, temos uma criação em forma de processo. Ela é um bem que vem de Deus. O homem, situado no começo de uma criação de Deus e sobre ele pesa a responsabilidade de cuidar dela. A ardente expectativa da criação aguarda a libertação (Romanos 8.18ss). É fundamental observar que existem as dimensões da experiência humana inscritas por Deus na obra da criação. Novos céus e nova terra são diferentes da realidade do mal.
Isso tudo já pesa no sentido de se fazer tentativas para resolução acerca do problema. A Teologia ainda não tem respostas para todas as questões que pululam nas mentes das classes sociais, e uma vez que se deixa de refletir sobre os problemas existenciais, certamente haverá uma piora. Uma piora pode se desdobrar se houver uma constância insistente de uma não-reflexão séria sobre a realidade humana e a realidade do cosmo integrado, salvificamente. Mais pessoas alienadas estarão dentro dos umbrais de comunidades que se denominam igreja. Tudo isso, se o olhar estiver fixo no prisma de uma separação daquilo que Deus criou e que salvou por graça e misericórdia. Há hoje, quem professe um cristianismo que tem apenas um interesse estritamente mercantilista; que atende unicamente a pressupostos intensamente pessoais e subjetivos, de modo fechado.
Com o intuito de impedir alguma derrocada teológica, há vozes proféticas que se levantam; há quem esteja se esforçando para construir canais de abertura, no sentido de uma comunicação teológica que rume a uma prática transformadora e que cause mudanças, no sentido de se ter uma sociedade mais justa e provida de amor fraterno. É preciso fazer memória, que significa não repetir um passado, nem assegurar uma linha de pura continuidade.
Nelson Célio de Mesquita Rocha

Nenhum comentário: