terça-feira, 4 de novembro de 2025

VIDAS PARALELAS: O CONSCIENTE E O INCONSCIENTE

VIDAS PARALELAS: O CONSCIENTE E O INCONSCIENTE
As Profundezas da Alma Humana
Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha

O ser humano é um mistério que pensa, sente e crê. Vive, muitas vezes, em duas realidades interiores: uma consciente, clara e racional; outra inconsciente, obscura e profunda.
A psicologia moderna, especialmente por meio de Sigmund Freud e Carl Gustav Jung, trouxe à luz essa duplicidade interior — a coexistência de forças conscientes e inconscientes que moldam o comportamento humano.
Contudo, muito antes da psicanálise, a teologia bíblica já reconhecia a existência dessas dimensões invisíveis da alma. O salmista declarou: “Quem pode discernir os próprios erros? Absolve-me dos que me são ocultos.” (Salmo 19:12)
Essa confissão revela uma percepção espiritual anterior à psicologia moderna: o ser humano não domina plenamente a si mesmo. Há em sua alma uma história subterrânea que apenas Deus conhece. Assim, o diálogo entre psicologia e teologia se torna não apenas possível, mas necessário — para compreender as "vidas paralelas" que coexistem no interior da pessoa.
O Consciente: a luz da razão e da responsabilidade
O consciente representa a esfera da lucidez, da vontade e da decisão moral.
Na tradição filosófica, o consciente é o domínio da razão (logos), que permite ao ser humano distinguir o bem do mal.
Santo Agostinho, em suas "Confissões", obra que todas as pessoas devem ler ou ouvir, identifica essa dimensão como o lugar da memória iluminada pela graça, onde o ser humano reconhece a presença de Deus e se vê como criatura necessitada.
Sigmund Freud descreveu o consciente como a “camada superficial do aparelho psíquico”, limitada, mas necessária para o equilíbrio mental.
Teologicamente, podemos dizer que o consciente é o campo da responsabilidade moral, onde o homem é chamado a responder ao juízo de Deus. É o espaço da conversão, da obediência e do discernimento ético.
Porém, o consciente não é autossuficiente. Ele é apenas a parte visível de uma alma muito mais ampla, cujas raízes mergulham nas profundezas do inconsciente.
O Inconsciente: as sombras da alma e o mistério do coração
O inconsciente, para Freud, é o repositório de desejos reprimidos, traumas e pulsões.
Para Jung, é um campo simbólico, onde residem os arquétipos e o inconsciente coletivo — as imagens universais da alma humana.
Essas concepções psicológicas, embora não teológicas, apontam para algo que a Escritura já afirma: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” (Jeremias 17:9)
Na tradição bíblica, o "coração" ("lev", em hebraico) é mais do que o centro emocional — é o centro ontológico do ser humano, a fonte dos pensamentos, afetos e intenções (cf. Provérbios 4:23).
É o equivalente espiritual do inconsciente: o lugar onde o homem guarda segredos, dores, culpas e esperanças.
O inconsciente teológico, portanto, é o “coração escondido” (1 Pedro 3:4), onde se trava a verdadeira batalha espiritual.
É ali que o Espírito Santo atua, sondando e revelando o que o homem não pode perceber por si mesmo (1 Coríntios 2:10-11).
A Tensão das "Vidas Paralelas"
O consciente e o inconsciente vivem como duas correntes paralelas dentro da alma humana.
Quando estão em harmonia, o ser humano vive em paz consigo mesmo; quando estão em conflito, surge a cisão interior — o “homem dividido” que o apóstolo Paulo descreve: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço.” (Romanos 7:19)
Kierkegaard, em "O Desespero Humano", chama essa fragmentação de “desespero da desintegração do eu”, ou seja, quando a pessoa não consegue ser ela mesma diante de Deus.
A psicologia chama isso de conflito psíquico; a teologia chama de pecado e alienação.
Em ambos os casos, a alma se divide entre o que deseja e o que faz, entre o que confessa e o que oculta.
Somente a graça redentora de Jesus pode reconciliar essas vidas paralelas — o eu consciente e o eu inconsciente —, integrando-as sob a luz do Espírito Santo.
A salvação, então, não é apenas libertação moral, mas integração espiritual: tornar o ser humano inteiro, restaurando a harmonia entre razão, emoção e fé.
O Espírito Santo e a cura das profundezas da alma humana em conflito
O Espírito Santo é o terapeuta divino da alma.
Ele não atua apenas na mente racional, mas desce até o inconsciente, revelando, curando e integrando.
O apóstolo Paulo escreveu: “O Espírito mesmo testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus.” (Romanos 8:16)
Essa "testificação" é mais profunda que a consciência moral — é um toque na raiz do ser.
Jung afirmou que “a função da religião é dar sentido ao inconsciente”, sendo uma grande contribuição para a psicologia. E nesse ponto, a teologia dá a sua contribuição: a graça não apenas dá sentido, mas transforma o inconsciente.
O Espírito Santo não interpreta o inconsciente; Ele o redime, restaurando o coração para que nele habite a presença de Deus (Efésios 3:16-17).
Portanto, o ser humano é uma tensão viva entre o que sabe e o que ignora, entre a luz e a sombra, entre o consciente e o inconsciente.
Essas “vidas paralelas” não foram criadas para viver separadas, mas para se encontrarem na plenitude de Jesus Cristo.
A redenção não é apenas racional, mas também emocional e simbólica.
Quando o Espírito Santo ilumina as sombras da alma, o ser humano deixa de ser um ser dividido e se torna um ser integrado, reconciliado em todas as suas dimensões.
Assim, o inconsciente não é mais território de medo, mas espaço de revelação.
O consciente, por sua vez, deixa de ser orgulho racional e torna-se instrumento de discernimento espiritual.
Em Cristo, a luz e a sombra se encontram — e o ser humano é restaurado à unidade original da imagem de Deus.
Referências Bibliográficas
* A Bíblia Sagrada – Edição Almeida Revista e Atualizada (ARA).
* Agostinho de Hipona. Confissões. São Paulo: Paulus, 2001.
* Sigmund Freud. A Interpretação dos Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
* Carl G. Jung. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
* Søren Kierkegaard. O Desespero Humano (A Doença para a Morte). São Paulo: Vozes, 2012.
* Paul Tillich. A Dinâmica da Fé. São Paulo: Paulus, 2000.
* Jürgen Moltmann. O Espírito da Vida. Petrópolis: Vozes, 1999.
* Reinhold Niebuhr. A Natureza e o Destino do Homem. São Paulo: Novo Século, 2002.

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